Os
nossos velhos, aqueles que cá brotaram entre as brumas da memória,
são astrosos, soturnos e não têm bons modos.
Outrora
heróicos. Já demos mundos novos ao mundo e hoje não damos nada.
Os
nossos velhos são pouco literatos, refinados ou viajados e não estão em paz.
Não
são como os demais que vejo a bordo provenientes de outras fronteiras. Os
nossos não viajam de encontro a luxuosos cruzeiros, são demasiado sérios para
beber um cocktail às 16h, não aprenderam a reciclar, não lêem livros de bolso
nem ousariam deixá-los para trás para outro ler.
Nem
mesmo a imprensa rosa fica.
Afinal
de contas, por quanto tempo é razoável guardar a TV7dias?
Ficará
também esquecida.
Os
nossos velhos são pobres e ficaram sem tapete no fim da vida. Não temos idosos,
temos velhos por cá. Já não interessam e não estão na moda.
Plantaram
alimentos e vida, lutaram em guerras e hoje nem conseguem descansar.
O
ócio que lhes restou começa por volta das dez da manhã nos generalistas.
Repouso
também têm pouco pois vivem na incerteza de como viverão cada dia.
Estão
sós.
Estão
ruralmente isolados em todo o lado, mesmo que cercados por milhares de
vizinhos.
Os
nossos velhos que mais voam, são por norma os emigrantes. E dentro desta estirpe
temos dois tipos, os que partiram e querem voltar um dia para gozar cá a
reforma e aqueles que só vão voltando por motivos familiares e que optarão um
dia em nem sequer fazer férias em Portugal. São os que infelizmente se
aperceberam que existe uma realidade mais próspera, mesmo quando se é apenas um
velho reformado. São aqueles que contrariaram o ditado e sabem que burro
velho aprende línguas sempre que necessário. São aqueles que sabem que no fundo
existem praias mais bonitas, marisco em mais sítios, ou diferentes e igualmente
boas formas de comer bacalhau. Afastam queixumes e já não sabem o que é passar
dificuldades, aprenderam a ocupar bem a cabeça e a rodearem-se de inteligentes
escapes.
Estes
velhos são leves de espírito, soltaram-se da saudade e da culpabilização ao
doloroso passado.
Os
nossos de cá aparentam estar mais cansados, mais infelizes e como se
não bastasse, mais sós. Trabalharam muito e ganharam pouco.
Têm
mais saúde mas pouco lhes serve quando não têm mais nada nem ninguém.
São
também ingénuos e caem facilmente em qualquer sorriso e bugiganga.
Num
país de segundas pessoas do plural, é-lhes muito importante quem os rodeia,
sobretudo os dos cargos importantes, os dos altos estudos, os de boas
linhagens, ou até as personalidades da TV. Se lá vão é para se ter em
consideração. São seres fascinantes e merecedores da demais atenção.
Os
nossos velhos falam alto como se quem os escuta não ouvisse igualmente
bem, exprimem-se muito e pouco lhes importa se estão a incomodar quem não tem
interesse nas suas conversas. Sabem que aos poucos todos vão perdendo o
interesse neles, portanto quando falam e alguém os escuta, não querem saber de
mais nada.
Os nossos de cá, sem modos, com dores e
nuvens constantes, são os que mais incomodam as carruagens e cabines repletas
de adultos em busca de silêncio. São os que sabem que um dia serão iguais a
estes velhos e esse medo aumenta a cada viagem, a cada dia de um novo mês.
Por vezes sou esta adulta, fruto de um
vazio de ter crescido sem seniores na minha vida e numa grande cidade onde
não se questiona o próximo e onde se ignora a velhice.
Sabemos que são assim, os nossos
velhos, sem modos e infelizes, mal educados e rabujentos, desejosos de atenção.
São os que não aguardam quem tem que sair primeiro das carruagens, ou os que se
levantam de imediato assim que o avião aterra, os que o seu maior consolo é o
copo cheio de tinto, ou os que olham descaradamente e sem educação.
Quantas
mais vezes ouvirei que bom era uma sandes de leitão?
Que
geração nova é esta que lhes quer dar comida sustentável e mais saudável?
Que lhes ensina algo de novo? Que lhes pode mostrar outras razões? Que ser
...fóbico já não é a norma? Que existirão sempre novas conjeturas (sem ''C'').
Sempre.
Que
existe esperança.
Espero
ser um dia a grisalha que coloca livros lidos, escritos ou
traduzidos na nossa língua, numa qualquer estante de um qualquer hotel deste
mundo, aquelas repletas sempre de livros de bolso estrangeiros para qualquer um
ler. Espero encontrar muitos outros em português em cada estante.
Quero
temperar um bloody Mary às 16h enquanto um filho me faz companhia com um gin
tónico, sem julgamentos.
Quero
novas línguas.
Quero
poder ler um livro em silêncio onde a minha única preocupação é qual será a
melhor posição para segurar aquele livro, acompanhada pelo meu velho e por
outros, também felizes e serenos.
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