terça-feira, 27 de agosto de 2019

Hifly - Recrutamento


A Hifly vai realizar um Open Day para recrutar novos tripulantes de cabine para a companhia.
Lisboa: 10 setembro 2019 | 9h00 | Hotel Holiday Inn Lisboa.

https://kiosquedaaviacao.pt/recrutamento-hifly/

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Os nossos velhos


 
 
Os nossos velhos, aqueles que cá brotaram entre as brumas da memória, são astrosos, soturnos e não têm bons modos.
 
Outrora heróicos. Já demos mundos novos ao mundo e hoje não damos nada.
 
Os nossos velhos são pouco literatos, refinados ou viajados e não estão em paz. 
 
Não são como os demais que vejo a bordo provenientes de outras fronteiras. Os nossos não viajam de encontro a luxuosos cruzeiros, são demasiado sérios para beber um cocktail às 16h, não aprenderam a reciclar, não lêem livros de bolso nem ousariam deixá-los para trás para outro ler.
 
Nem mesmo a imprensa rosa fica.
 
Afinal de contas, por quanto tempo é razoável guardar a TV7dias? 
 
Ficará também esquecida. 
 
Os nossos velhos são pobres e ficaram sem tapete no fim da vida. Não temos idosos, temos velhos por cá. Já não interessam e não estão na moda.
 
Plantaram alimentos e vida, lutaram em guerras e hoje nem conseguem descansar.
 
O ócio que lhes restou começa por volta das dez da manhã nos generalistas.
 
Repouso também têm pouco pois vivem na incerteza de como viverão cada dia.
 
Estão sós. 
 
Estão ruralmente isolados em todo o lado, mesmo que cercados por milhares de vizinhos.
 
Os nossos velhos que mais voam, são por norma os emigrantes. E dentro desta estirpe temos dois tipos, os que partiram e querem voltar um dia para gozar cá a reforma e aqueles que só vão voltando por motivos familiares e que optarão um dia em nem sequer fazer férias em Portugal. São os que infelizmente se aperceberam que existe uma realidade mais próspera, mesmo quando se é apenas um velho reformado. São aqueles que contrariaram o ditado e sabem que burro velho aprende línguas sempre que necessário. São aqueles que sabem que no fundo existem praias mais bonitas, marisco em mais sítios, ou diferentes e igualmente boas formas de comer bacalhau. Afastam queixumes e já não sabem o que é passar dificuldades, aprenderam a ocupar bem a cabeça e a rodearem-se de inteligentes escapes.
Estes velhos são leves de espírito, soltaram-se da saudade e da culpabilização ao doloroso passado.
 
Os nossos de cá aparentam estar mais cansados, mais infelizes e como se não bastasse, mais sós. Trabalharam muito e ganharam pouco. 
Têm mais saúde mas pouco lhes serve quando não têm mais nada nem ninguém. 
São também ingénuos e caem facilmente em qualquer sorriso e bugiganga. 
 
Num país de segundas pessoas do plural, é-lhes muito importante quem os rodeia, sobretudo os dos cargos importantes, os dos altos estudos, os de boas linhagens, ou até as personalidades da TV. Se lá vão é para se ter em consideração. São seres fascinantes e merecedores da demais atenção.
 
Os nossos velhos falam alto como se quem os escuta não ouvisse igualmente bem, exprimem-se muito e pouco lhes importa se estão a incomodar quem não tem interesse nas suas conversas. Sabem que aos poucos todos vão perdendo o interesse neles, portanto quando falam e alguém os escuta, não querem saber de mais nada.
 
Os nossos de cá, sem modos, com dores e nuvens constantes, são os que mais incomodam as carruagens e cabines repletas de adultos em busca de silêncio. São os que sabem que um dia serão iguais a estes velhos e esse medo aumenta a cada viagem, a cada dia de um novo mês.
 
Por vezes sou esta adulta, fruto de um vazio de ter crescido sem seniores na minha vida e numa grande cidade onde não se questiona o próximo e onde se ignora a velhice.
 
Sabemos que são assim, os nossos velhos, sem modos e infelizes, mal educados e rabujentos, desejosos de atenção. São os que não aguardam quem tem que sair primeiro das carruagens, ou os que se levantam de imediato assim que o avião aterra, os que o seu maior consolo é o copo cheio de tinto, ou os que olham descaradamente e sem educação.
 
Quantas mais vezes ouvirei que bom era uma sandes de leitão?
 
Que geração nova é esta que lhes quer dar comida sustentável e mais saudável? Que lhes ensina algo de novo? Que lhes pode mostrar outras razões? Que ser ...fóbico já não é a norma? Que existirão sempre novas conjeturas (sem ''C''). Sempre.
 
Que existe esperança.
 
Espero ser um dia  a grisalha que coloca livros lidos, escritos ou traduzidos na nossa língua, numa qualquer estante de um qualquer hotel deste mundo, aquelas repletas sempre de livros de bolso estrangeiros para qualquer um ler. Espero encontrar muitos outros em português em cada estante.
 
Quero temperar um bloody Mary às 16h enquanto um filho me faz companhia com um gin tónico, sem julgamentos.
 
Quero novas línguas.
 
Quero poder ler um livro em silêncio onde a minha única preocupação é qual será a melhor posição para segurar aquele livro, acompanhada pelo meu velho e por outros, também felizes e serenos.

 





x