sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Os nossos velhos


 
 
Os nossos velhos, aqueles que cá brotaram entre as brumas da memória, são astrosos, soturnos e não têm bons modos.
 
Outrora heróicos. Já demos mundos novos ao mundo e hoje não damos nada.
 
Os nossos velhos são pouco literatos, refinados ou viajados e não estão em paz. 
 
Não são como os demais que vejo a bordo provenientes de outras fronteiras. Os nossos não viajam de encontro a luxuosos cruzeiros, são demasiado sérios para beber um cocktail às 16h, não aprenderam a reciclar, não lêem livros de bolso nem ousariam deixá-los para trás para outro ler.
 
Nem mesmo a imprensa rosa fica.
 
Afinal de contas, por quanto tempo é razoável guardar a TV7dias? 
 
Ficará também esquecida. 
 
Os nossos velhos são pobres e ficaram sem tapete no fim da vida. Não temos idosos, temos velhos por cá. Já não interessam e não estão na moda.
 
Plantaram alimentos e vida, lutaram em guerras e hoje nem conseguem descansar.
 
O ócio que lhes restou começa por volta das dez da manhã nos generalistas.
 
Repouso também têm pouco pois vivem na incerteza de como viverão cada dia.
 
Estão sós. 
 
Estão ruralmente isolados em todo o lado, mesmo que cercados por milhares de vizinhos.
 
Os nossos velhos que mais voam, são por norma os emigrantes. E dentro desta estirpe temos dois tipos, os que partiram e querem voltar um dia para gozar cá a reforma e aqueles que só vão voltando por motivos familiares e que optarão um dia em nem sequer fazer férias em Portugal. São os que infelizmente se aperceberam que existe uma realidade mais próspera, mesmo quando se é apenas um velho reformado. São aqueles que contrariaram o ditado e sabem que burro velho aprende línguas sempre que necessário. São aqueles que sabem que no fundo existem praias mais bonitas, marisco em mais sítios, ou diferentes e igualmente boas formas de comer bacalhau. Afastam queixumes e já não sabem o que é passar dificuldades, aprenderam a ocupar bem a cabeça e a rodearem-se de inteligentes escapes.
Estes velhos são leves de espírito, soltaram-se da saudade e da culpabilização ao doloroso passado.
 
Os nossos de cá aparentam estar mais cansados, mais infelizes e como se não bastasse, mais sós. Trabalharam muito e ganharam pouco. 
Têm mais saúde mas pouco lhes serve quando não têm mais nada nem ninguém. 
São também ingénuos e caem facilmente em qualquer sorriso e bugiganga. 
 
Num país de segundas pessoas do plural, é-lhes muito importante quem os rodeia, sobretudo os dos cargos importantes, os dos altos estudos, os de boas linhagens, ou até as personalidades da TV. Se lá vão é para se ter em consideração. São seres fascinantes e merecedores da demais atenção.
 
Os nossos velhos falam alto como se quem os escuta não ouvisse igualmente bem, exprimem-se muito e pouco lhes importa se estão a incomodar quem não tem interesse nas suas conversas. Sabem que aos poucos todos vão perdendo o interesse neles, portanto quando falam e alguém os escuta, não querem saber de mais nada.
 
Os nossos de cá, sem modos, com dores e nuvens constantes, são os que mais incomodam as carruagens e cabines repletas de adultos em busca de silêncio. São os que sabem que um dia serão iguais a estes velhos e esse medo aumenta a cada viagem, a cada dia de um novo mês.
 
Por vezes sou esta adulta, fruto de um vazio de ter crescido sem seniores na minha vida e numa grande cidade onde não se questiona o próximo e onde se ignora a velhice.
 
Sabemos que são assim, os nossos velhos, sem modos e infelizes, mal educados e rabujentos, desejosos de atenção. São os que não aguardam quem tem que sair primeiro das carruagens, ou os que se levantam de imediato assim que o avião aterra, os que o seu maior consolo é o copo cheio de tinto, ou os que olham descaradamente e sem educação.
 
Quantas mais vezes ouvirei que bom era uma sandes de leitão?
 
Que geração nova é esta que lhes quer dar comida sustentável e mais saudável? Que lhes ensina algo de novo? Que lhes pode mostrar outras razões? Que ser ...fóbico já não é a norma? Que existirão sempre novas conjeturas (sem ''C''). Sempre.
 
Que existe esperança.
 
Espero ser um dia  a grisalha que coloca livros lidos, escritos ou traduzidos na nossa língua, numa qualquer estante de um qualquer hotel deste mundo, aquelas repletas sempre de livros de bolso estrangeiros para qualquer um ler. Espero encontrar muitos outros em português em cada estante.
 
Quero temperar um bloody Mary às 16h enquanto um filho me faz companhia com um gin tónico, sem julgamentos.
 
Quero novas línguas.
 
Quero poder ler um livro em silêncio onde a minha única preocupação é qual será a melhor posição para segurar aquele livro, acompanhada pelo meu velho e por outros, também felizes e serenos.

 





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23 comentários:

  1. Olá a todos.
    Desculpem a ausência.
    Este pedido de desculpas é para todos os que comentam, os que têm dúvidas e que lêem os comentários de cada post.
    Tenho andado ausente, bem sei.
    Este texto nada tem a ver com emprego, a TAP ou algo até que vos possa interessar.
    Procurarei estar mais atenta às vossas questões e fazer posts com coisas novas sobre a profissão. Aceito sugestões. Tenho perdido (ou ganho) tempo com voos, viagens e desenhos.
    Bons voos a todos e desculpem, mais uma vez.

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  2. Olá! Falo por mim quando digo que fiquei em euforia quando vi um novo post ahah, é vir cá todas as semanas em busca de novidades, estamos todos atentos e com esperança que a TAP recrute.... Quanto a tópicos a serem abordados a minha sugestão é: desenvolver mais sobre a parte da avaliação psicológica do tripulante (porque é tão importante); coisas a nunca dizer numa entrevista para a posição de assistente de bordo (afirmações). Se me lembrar de mais alguma volto aqui. Beijinhos e obrigada pela ajuda que dá sempre!,

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    1. https://serassistentedebordo.blogspot.com/2017/06/dicas-para-uma-entrevista.html

      Olá!
      Fiz uma compilação de dicas já há algum tempo, mais relacionadas com postura. O discurso a adoptar não é certo, acho que não existem frases ideais. Da minha experiência de entrevistas para algumas companhias, existem sempre perguntas e atitudes inesperadas da parte dos entrevistadores, para avaliarem como a pessoa reage.

      Existe o mito que não se deve dizer que só queremos esta profissão para viajar, se bem que acho que se for bem fundamentado é um disparate ser algo errado a dizer-se.
      A parte psicológica também está referenciada nas diversas fases do recrutamento da TAP, vê esse post e lê os comentários antigos.
      É difícil acrescentar algo mais, posso sempre perguntar a colegas que tenham tido essa avaliação mais recentemente, se bem que acho que só causará mais stress. O truque é sermos nós mesmos e não ir para lá com frases e ideias feitas, são pessoas bastante experientes na área a avaliar.
      Beijinhos e boa sorte!

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  3. Dicas para os primeiros voos!

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  4. Olá! Que bom lê-la! Tem feito falta por aqui! Gosto muito dos seus textos. Mostram que são feitos por alguém com alma sensível! Eu não sou candidata à TAP porque enveredei por outra forma de servir as pessoas. Sou médica mas que sonhou um dia ser hospedeira de bordo. Vivia fascinada com a profissão mas acabei por nunca tentar. Agora tenho um sobrinho que quer muito ser comissário de bordo. Fez as provas todas e passou em todas. Foi selecionado para fazer o curso de formação que foi suspenso 3 dias antes, no início de Junho. Até hoje nada foi dito. Continua a aguardar a chamada mas com muita angústia. Os Recursos Humanos dizem-lhe para aguardar, que ainda não há datas. O que pode acontecer? Muito obrigada!

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    1. Olá! Obrigada. Fico sem jeito, não considero ter um talento especial. São formas de expressão e por norma até prefiro outras.

      Voei há uns tempos com uma médica e já me contaram que entraram mais nos últimos tempos (para assistentes de bordo). Não deixa de ser fascinante e algo preocupante também... São vários os motivos que levam as pessoas a optar por esta profissão. Tem sido agradável conhecer pessoas com outras histórias e percursos, advogados, médicos, enfermeiros, bombeiros, ex atletas de alta competição, jornalistas... Todos os dias temos histórias novas. O melhor da profissão é para muitos o Sign on e o sign off, não levar nada para casa.

      Tenho dois amigos na situação do seu sobrinho.
      Pode ser que os chamem em Setembro, é o que se ouve. Sem certezas. Nada é certo em aviação. Só sei que andamos a voar muito este verão, trabalho não falta e a companhia continua a crescer. Ele que não desista e que continue atento.
      Beijinhos e boa sorte! Ele que se aplique depois no curso, que pratique muito nas aulas (e com os colegas).

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    2. Não tem que ficar sem jeito porque é mesmo verdade! Neste blog as suas palavras de incentivo são muito, muito preciosas! E...não sabia que havia médicos que desistiram da carreira e seguiram a aviação. De repente voltei a sentir o desejo de voar ajudando os outros... Mas já não é para mim. Já passei a idade e vou terminar sendo médica até ao fim da minha carreira . Queria muito que o meu sobrinho entrasse! E dará um excelente profissional! Esperemos que a turma seja chamada em Setembro! Beijinho para si!

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  5. Olá! Antes de mais gostaria de dar os parabéns pelo blogue e pela disponibilidade em responder às várias questões aqui colocadas. Estou há um ano a tentar ser seleccionado para comissário, mas até agora não deu em nada. Acho que o meu problema se deve ao facto de não ter experiência na área de atendimento ao cliente. Já tentei encontrar algum emprego numa loja, mas por ser já licenciado (Jornalismo) e, uma vez mais, não ter experiência não consegui ser seleccionado. Queria saber se devo continuar a insistir ou se é requisito ter mesmo experiência. Obrigado desde já!

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    1. Olá, Daniel. Tem estado a tentar para que companhia?
      Não é requisito obrigatório ter experiência com o público.
      Ainda a semana passada voei com 2 jornalistas que entraram há uns meses para a TAP como comissários. Ambos tinham emprego em televisão. Na minha turma também tinha jornalistas. Há muitos em aviação que optaram por esta área por diversos motivos.
      Não desista e continue a tentar se é mesmo o que pretende.
      As companhias não se restringem apenas a experiência passada, há quem esteja ainda na faculdade e seja seleccionado e concilie depois o curso aqui, há quem tenha trabalhado noutras áreas, há de tudo.
      Beijinhos e boa sorte!

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    2. O que mais temos até são colegas que tentaram por inúmeras vezes. Falharam várias vezes até que conseguiram. Isso é mesmo o mais comum.

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  6. Bom dia! Segundo se diz a TAP abrirá concurso em Setembro, assistente de bordo?

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    1. Bom dia.
      Não faço ideia.
      Referia-me às duas turmas que ficaram congeladas.
      Esperemos que abram concurso. Boa sorte.
      Beijinho

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  7. Alguém sabe como é anunciado o recrutamento na zPortugália? Ou em que altura do ano costuma avrir concurso?

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    1. Olá. Normalmente envia-se CV por email e quando necessitam, chamam. Não sei se mudou algo entretanto. O recrutamento da PGA anda meio parado este ano. Beijinhos e boa sorte

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    2. Sabe dizer-me qual é esse e-mail?

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  8. Não sou AB mas como me identifico com este texto! Em voo ou na vida, nos dias de rotinas em que tropeçamos neles sem nos apercebermos da vida vazia que levam. Também eu espero nunca me tornar numa destas almas esvaziadas pelas agruras dos anos, apesar de estar por cá a tentar resistir às mentes pequeninas que nos limitam os sonhos e as ambições.
    Bem haja por este texto.
    Bons voos.

    ICM

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    1. Obrigada eu. Há que contrariar e lutar por uma melhor velhice. Escrevi isto num comboio a caminho de Lisboa com muito pouco silêncio... Às vezes a escrita ajuda a desculpabilizar e a racionalizar o que nos rodeia.
      Beijinhos!

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  9. https://kiosquedaaviacao.pt/recrutamento-hifly/

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  10. Que saudades eu tinha de si, assistentedebordo!!! Que falta senti dos seus sábios conselhos. Um beijinho

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