segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Passageiros


O passageiro ou aquela coisinha simpática que vem agarrada ao Boarding Card. Esse mesmo. Este texto é para ti.

Aviação não era nada sem eles. Sabemos que a senhora de origem cabo-verdiana que limpa a casa de banho do aeroporto não trabalhava se não existisse o passageiro, que a Jordete que trabalha no aeroporto e comanda a porta de embarque como um general, só que com blush e salto alto, não trabalhava se ele não existisse, que o Comandante, aquela figura física de Deus era apenas um comum mortal se passageiros não existissem. Se não existisse, para quê cabineiras elegantes, TMAs, agentes de panca (rampa) ou catering, OCC Managers e toda panóplia de managers e deputies existentes nas diversas áreas de aviação, cujas siglas vão mudando de significado a par das tendências.

Posto isto, e já aqui referida a sua importância vital para o sector (sim, são vocês que nos pagam o ordenado), vamos lá falar de passageiros.

Tal como adoro cabineiros, não consegui excluir os passageiros deste rol de paixões fortes.

Adoro o passageiro bem disposto e educado, aquele que nos cumprimenta, que nos olha nos olhos. Adoro também o que entra a reclamar e que diz "Isto hoje em dia está cada vez pior", ou o que entra e que nos ignora. Este último pode ser porque se sente intimidado por nós e é apenas tímido (gosto de acreditar nisto) ou então é porque é apenas mal educado. Gosto daquela passageira atrevida que entra a meter-se com os comissários giros ou daquela que confessa logo ali à entrada que não está ali por opção. É a que tem pavor de voar.

Grande parte dos passageiros tem medo de voar. Percebemos isso de várias maneiras. São os que estão mais atentos ao que fazemos e dizemos nas fases mais críticas do voo. São aqueles que dão as mãos na descolagem aos parceiros ou aqueles que se benzem ao colocar o pé no avião. O direito, claro.

Adoro o passageiro brasuca bem disposto e aquele que julga que estamos lá para o servir. É cultural, malta.

Adoro aquele que pede tudo o que tem direito, pede água, café e coca-cola com gelo e limão. Repara que também existe sumo de tomate no carro. Também quer. Nem vale a pena perguntar se quer sal ou pimenta, óbvio que quer. E o stick também. Sem a cabineira ver, limpa os talheres e guarda-os na mala. Dão tanto jeito em casa. Pode sempre vender no OLX. COMO NÃO DÁ PARA LEVAR A MANTA?! Eu paguei! É minha! O colete também!

E aqueles passageiros que acham que o avião é a sua casa. Aqueles que cortam unhas, as pintam e até os que as elevam no banco da frente, as dos pés. Por que não.

O passageiro que mais gosto é aquele que fica tenso assim que o trolley (carrinho) de bebidas incluídas no bilhete se está a aproximar da sua fila. Esse passageiro já não se mexe quando está a duas filas de si, para de ler, ver filmes ou falar. Fica hirto e tenso, atento e com medo que a cabineira jovem se esqueça dele. Ele quer muito beber, só porque está incluído e ele tem esse direito. É um caso sério. Raramente este tipo de passageiro cumprimenta a tripulante. Está tão tenso que a cabineira não se atreve a esquecer dele, com medo que sofra um ataque cardíaco. Mas dá vontade. Assim que tem a bebida, os ombros relaxam e ele limita-se à pequenez da coisa.

O meu segundo preferido é aquele passageiro que adora aviação. Sabemos logo quem é, assim que entra a sorrir. É aquele que sabe o modelo do avião, a matrícula, sabe do novo modelo e do phase out de outro. É aquele que dá mais gosto agradar. É um tolinho que nos entende. Padece deste mal.

Adoro o passageiro que tem sempre um bom timing no que se refere a idas aos lavabos, pontos extra se for um avião com um corredor e no momento em que decorre o serviço.

Gosto do passageiro emigrante, do amor que sente pelo país, da alegria ao nos ver e ouvir. Muito respeito por este tipo de passageiro.

Adoro os passageiros pastinhas, os executivos altamente arrogantes e com inúmeros pertences caros. Ignoram em sofrimento que têm que respirar o mesmo ar que a plebe durante aquelas horas.

E aquela que não aceita ir apenas ao lavabo da classe que pagou? O de lá da frente é o dela, digam-lhe o que disserem. Não pagou Executiva, mas isso não interessa nada. Normalmente abre a cortina com muita atitude. Barreiras não são para esta senhora.

Adoro aquele que entra com a mala que excede as medidas, mala de mão, saco de duty free e casacão. Exige e reivindica a bagageira só para si. A hospedeira devia saber que ele pagou por ela. Miúda tola.

Gosto daquele que entende que isto de voar melhora com dois copinhos de vinho e gosto daquele que entendeu tão bem que até bebe do seu comprado no duty free. Não há cá limites para um verdadeiro liquid spirit. São os que acham que a cabineira não repara.

Adoro aquele que nos conta a vida toda e que só volta para o lugar quando o sinal de cintos se acende.

E aqueles que vão descalços aos lavabos?

Adoro o passageiro que dorme o voo todo e que ainda não se apercebeu que aterramos. Pode acontecer, se tomares e misturares coisas. Não julgamos.

Adoro os putos a pilhas, curiosos e sem medos. Os putos com as perguntas mais estapafúrdias. Os que nos dão desenhos e que querem ser como nós.

Adoro os passageiros velhinhos e simpáticos, que já não têm pressa. Exigem pouco e oferecem um sorriso e histórias doces.

Amo a magia de quem voa pela primeira vez. A alegria e nervosismo.

Adoro os que receiam mulheres nos comandos. "Daqui fala-vos a vossa comandante Beatriz" ainda é causador de cólica súbita.

Passageiros, tal como o nome indica, são passageiros, vão e vêm. Não ficamos sentidos. Entendemos. Preferimos quem nos trate bem e quem entenda que as vossas queixas são nos sobretudo alheias. Não decidimos a greve do ATC em França, nem o limite do espaço nas bagageiras, nem tão pouco tivemos influência no nevoeiro que causou o atraso. Sabemos que somos o rosto das vossas dores e que estamos sempre a ser julgados por vós. Nem sempre conseguimos ajudar e agradar todos.

Chegámos por agora ao fim, aterrámos ao som das palmas efusivas dos viajantes.

Ai...

Passageiros.

11 comentários:

  1. ADOREI O TEXTO!! Afinal todos os textos que escreve para nos ajudar a perceber melhor este mundo são ótimos.
    Aproveito para fazer duas questões: O que acha? O que acham da EuroAtlantic não encontro muita informação sobre a mesma na internet, muitas pessoas dizem que é semelhante à Hifly, como assim? A nível de dias fora também (21 e 7 Days-OFF)?

    E, relativamente à Hifly último Open Day que fizeram foi em Setembro, acham que será feito mais algum brevemente em 2019? Pergunto isto, porque eles neste ano 2018 já fizeram alguns.

    Obrigada :)

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  2. Muitoi obrigada pela informação, infelizmente não conssegui ir ao Open Day da Hifly em Setembro, portanto estou à espera do próximo! :)

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    1. Não precisa ir ao Open Day. Vá ao site deles e envie uma candidatura espontânea

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    2. @Patrícia Manhão, Peço desculpa a pergunta. Mas, como sabe que irão recrutar em DEZEMBRO?

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    3. Porque liguei para a Hi Fly....
      Mas eu moro em frente à Hi Fly e na sexta feira passada perguntei a um senhor que estava à porta se trabalhava ali, que respondeu que sim e perguntei se já havia previsão de uma data. Ele respondeu que não trabalhava nos RH mas que tem ouvido dizer que afinal só para Janeiro. O que até faz sentido...

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    4. Hum, obrigada pela informação! Mas diga-me acha que faz sentido por algum motivo em especial?

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    5. Sim, no mês de Dezembro por causa das festas as pessoas têm tendência para estar de férias
      É como Agosto. Nada acontece .
      Daí que arranquem novamente em Janeiro .
      Começar um processo de recrutamento para depois o para por ter pessoal de férias é pura perda de tempo ...

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  3. Texto muito interessante. humor no ponto! Só não percebi o que a origem da senhora que limpa as casas de banho complementa à sua "estória"?

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    1. Ora aí está o porque se ser chamada cabineira ! Serve copos e refeição no ar … mas acha se .

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