sábado, 28 de abril de 2018

O nosso dia a dia


A nossa escala dita o nosso planeamento naquele mês. A escala do mês seguinte sai por norma a meio do mês que o antecede, para que nos possamos organizar. Está repleta de códigos de aeroportos (LHR - Heathrow, Londres, por exemplo), ETD e ETA - Estimated Time of Departure and Arrival, dias OFF ou folgas, tipo de avião que vamos operar, entre outros códigos que aprenderão no curso e que variam de companhia para companhia (férias, refrescamentos, baixas, etc...). Podemos ter um mês com voos, como voos com idas e voltas ou estadias, night stops, splits, ou assistências, que variam consoante também o tipo de companhia para o qual operamos. É comum uma companhia não regular ter os seus tripulantes de assistência, pois operam de forma irregular. Há companhias em que a escala é cumprida e respeitada e outras que podem sofrer oscilações ao longo do mês. Geralmente temos que morar até 1h do aeroporto para fazer face às possíveis assistências.
 
Vamos imaginar que já tínhamos o voo de Lisboa (LIS) para Moscovo (DME) na nossa escala. Vamos simular o dia a dia desse voo desde que nos apresentamos até à hora em que chegamos ao hotel. Não me vou referir a nenhuma companhia em particular e vou procurar evidenciar aspetos gerais e comuns da nossa rotina.
 
 
Em casa ainda, antes da apresentação, trato da higiene, preparo as malas com roupa quente e fria (you never know), coloco farda extra, verifico que tenho todos os meus documentos, revejo alguma matéria e preparo o voo (já me alongo mais) e vou-me fardar. Cumpro com os requisitos de imagem definidos pela companhia.
 

 
No aeroporto existem salas para algumas companhias aéreas realizarem os seus briefings. Poderão ser realizados no avião ou no hotel, caso seja o caso de a tripulação estar fora. O chefe de cabine reúne-se com o Comandante para que este lhe passe alguns detalhes do voo, como o tempo de voo, por exemplo, ou se é esperada turbulência. Após isso, reunimo-nos todos e essa informação é nos passada. Temos obrigatoriamente o nosso caderno com determinados dados já por nós preenchidos (a referida preparação), onde deve constar o nome de toda a tripulação, número de voo, passageiros e informações relevantes, informações do serviço. Tomamos nota das posições de cada um a bordo.
Revemos matéria de segurança. Coloquei um vídeo que exemplifica um briefing, embora o considere demasiado longo.
 

 
 
 
 
Podemos passar pelo raio-x antes ou depois do briefing, dependendo do local. Cumprimos também as normas gerais definidas para os passageiros em termos de segurança (também temos um saquinho para os líquidos, tiramos casacos, cintos, PCs e sapatos, por vezes).
Seguimos para o avião. Pode haver troca direta de tripulação.

 


Arrumamos as malas e fazemos os nossos checks, de material de emergência e o pre-flight. Verificamos que foi tudo bem limpo, que o material de emergência está em perfeitas condições e verificamos o catering (contamos as refeições, incluindo as especiais). No final damos o ok ao nosso chefe.

 
 
Esta última fase poderá ser ultra rápida, pois muitas vezes estamos a entrar no avião e o 'placa' quer logo dar início ao embarque.
 
E eis que começa o embarque. Primeiro as pessoas com assistências especiais, como cadeiras de rodas ou deportados, passando para as famílias com crianças. Podemos estar a abastecer com o embarque a desenrolar-se. Nesse caso são necessárias medidas adicionais de segurança do aeroporto e nossas, pois devemos ocupar as saídas  de emergência, não deixar que os passageiros coloquem os cintos ou que usem aparelhos eletrónicos. É também no embarque que verificamos o tipo de passageiros que vamos ter, se alguém se destaca por já aparentar estar embriagado, inseguro ou doente, por exemplo, ou possíveis grávidas e possíveis ABPs Able-bodied passengers - estes últimos que usaremos em caso de emergência. Estamos especialmente atentos nesta fase. É também o momento em que fazemos briefings de como se operam as saídas de emergência aos passageiros que se encontram próximos das mesmas (e que vemos o seu ar de súbito pânico ao ter que imaginar tal cenário), distribuímos cintos e coletes aos pais com bebés, ajudamos e esclarecemos possíveis dúvidas, damos 'água pá remêdio'. 😔
 
 
Podemos ter que fazer contagem de passageiros ou desinsectização, mas como estou no meu voo fictício, hoje não fazemos.
O 'placa' sai com a sua loadsheet, o chefe confirma o número de souls onboard  junto do comandante e pede para fechar portas. Ouve-se o call-out do chefe ''Arm doors, cross check'' e cada tripulante arma a sua porta e faz o respetivo cross check da porta oposta à sua. Portas já em modo emergência, a tripulação está então pronta para as Demos. Eis que começa a coreografia para os mais atentos e curiosos (assustados também).
 

Arrumamos o demokit. Seguimos para o check de cabine ao som do discurso, quando já iniciámos o pushback. Trancamos os lavabos, seguramos toda a Galley, vemos se os cintos estão apertados, se as costas das cadeiras estão na posição vertical, se os corredores estão desimpedidos e a bagagem arrumada, se os aparelhos estão já em modo de voo e se as mesas estão recolhidas. Damos o nosso ok ao chefe e sentamo-nos para a descolagem. Fazemos o nosso silent review, recapitulamos matéria nesta fase do voo.
Se estivermos sentados perto de passageiros é muito comum que metam conversa connosco. É também frequente ver o ar assustado das pessoas quando os motores reduzem a potência pouco depois da descolagem. Dá-se o recycle dos cintos. Nós já nos podemos levantar.
 
Levantamo-nos, ligamos os fornos e as máquinas do café, destrancamos os lavabos e trocamos os sapatos para rasos. Colocamos o avental e preparamos o trolley com bebidas, algumas que previamente deixámos a refrigerar. Com as cocotes bem quentes, saímos para o serviço. Damos primeiro as refeições especiais e as das crianças. Fazemos também o serviço de chá e de café e recolhemos tudo. Vamos passando com água durante o voo.

 
 
Como é um voo longo fazemos turnos de descanso nos nossos crew rest compartments ou em lugares de descanso previamente atribuídos e bloqueados na cabine. Os restantes ficam atentos nas galleys e fazem checks de cabine.

 
Antes de iniciarmos a nossa descida no TOD Top of Descent, já voltei a trocar de roupa e sapatos, retoquei a maquilhagem, selei e manifestei os bares, deixei tudo organizado e trancado.
Descida, novo check de cabine, silent review e aterragem. Fazemos o lost and found após o desembarque.
 
 
 

Podemos ter ou não um de briefing, que é no fundo uma conversa acerca do voo, do que correu bem ou menos bem.
 
 
 
No Hotel esperamos pela nossa vez até sermos chamados a assinar a folha e a nos ser atribuído a chave de um quarto. Combinamos trocar de roupa rápido e descemos para um possível vodka, afinal de contas, estamos em Moscovo.
 
 

 

4 comentários:

  1. Olá. Antes de mais, parabéns pelo blog.
    Iniciei o meu percurso na TAP no dia 8 de abril e fui fazer os exames médicos na passada segunda feira (dia 23 de abril). Na sexta passada, dia 27, ligaram a dizer que tenho de voltar para uma consulta de Ortopedia. Sabes do que se pode tratar? Haverá algo errado? Uma vez que é só consulta (não me falaram em exames), poderá ser apenas para ver se está tudo bem?

    Obrigada,
    Beijinhos e bons voos :) *

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom dia. Obrigada :) É muito frequente as pessoas repetirem determinados exames ou fazerem extra. Vai correr tudo bem, vai ver.
      Beijinhos!

      Eliminar
  2. Ola, antes de inciar a pergunta tenho que dizer que o seu blog é fantástico, faz nos ficar ainda com mais vontade de ser assistente de bordo, a minha pergunta é: fui a entrevista mas não passei por causa do inglês( eu sei é uma vergonha) vou dedicar todo o meu tempo agora a tirar um curso, e disseram me que só podia voltar a tentar daqui a 1 ano, acha mesmo que se daqui a 1 ano eu tentar outra vez pode haver uma chance de me chamarem outra vez ou ficamos tipo já "marcada" na base de dados? Obrigada

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá. Obrigada! :)
      Fez muito bem. Não desista e invista no inglês que é fulcral.
      Disseram-me que apenas se esperava um ano após ter feito os psicotécnicos e não tendo ficado apto, mas se lhe disseram isso, eles saberão melhor. Um dos feedbacks aqui no blog em relação às recentes entrevistas, é que eles começam por verificar quando foi a ultima vez que a pessoa concorreu e em que fase ficou excluída (no sistema).
      Seja como for, se é o seu sonho, aperfeiçoe o seu Inglês e volte a tentar. Vão recrutar de forma continua durante todo o ano (segundo se ouve). Beijinhos!

      Eliminar